Com o fim do relacionamento amoroso é comum que um dos cônjuges enfrente dificuldades no processamento do fim e, motivado pelo sentimento de rejeição, traição, raiva, acaba permitindo que esses sentimentos de vingança desencadeiem um cenário de guerra na família, refletindo, inclusive, nos filhos.
Pior do que isso e decorrente desse cenário, é comum que a criança ou adolescente torne-se um instrumento dessa vingança, sendo induzido por um dos genitores a rejeitar contato com o outro, proferir inverdades sobre o ocorrido, repetir frases ofensivas e que firam os sentimentos do outro genitor alvo etc. É aqui que entra o conceito de alienação parental que vamos discutir no post de hoje!
Vamos começar, então, com o conceito de alienação parental. Afinal, o que é alienação parental?
Alienação parental é a interferência psicológica na criança ou adolescente promovida por um dos genitores ou por quem detenha a guarda, com o objetivo de implantar sentimento negativo em relação a outro membro da família, prejudicando a formação dos laços afetivos com este outro familiar e criando um distanciamento ou mesmo ruptura na convivência entre os envolvidos com a criança/adolescente.
A prática da alienação parental fere, portanto, direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.
Quais condutas podem caracterizar a alienação parental?
Qualquer ato que, de alguma forma, prejudique a formação ou manutenção de laços afetivos da criança/adolescente em relação ao alienado, ou interfira no exercício do poder familiar de algum dos genitores e demais parentes, pode ser associado com a prática de alienação parental.
Apesar disso, nossa legislação (Lei 12.318/10) prevê algumas práticas capazes de configurar a alienação parental, como por exemplo:
- Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade: quando um dos responsáveis critica, denigre ou desqualifica o outro genitor, fazendo com que a criança/adolescente acredite que alienado não é uma boa pessoa, um bom genitor e, por conta disso, não se sinta segurou ou à vontade na presença desse parente alienado. É comumente identificado em frases como: “Seu pai/mãe esqueceu de você, agora ele tem outra família…”; “Seu pai/mãe não paga pensão porque não gosta mais de você…”; “Seu pai/mãe não virá visitá-lo porque ele não gosta mais de você…” etc;
- Dificultar o exercício da autoridade parental: quando o alienador decide unilateralmente questões atinentes à criança/adolescente, tais como educação, horários recreativos, atividades extracurriculares, e desautoriza as decisões ou determinações do outro genitor;
- Dificultar contato de criança ou adolescente com genitor: seja pessoalmente, por mensagens, ligações ou qualquer meio utilizado entre a criança/adolescente e seu genitor;
- Dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar: ocorre, comumente, nos casos em que a guarda da criança/adolescente é fixada unilateralmente a um dos genitores que, por sua vez, dificulta os dias de visita do outro genitor, seja por meio de desculpas, empecilhos, criando compromissos nos horários acordados, escondendo a criança/adolescente e seu paradeiro etc;
- Omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço: são atitudes que, além de manter o genitor alheio à vida do filho, também contribui para realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade, passando à criança/adolescente a ideia de desinteresse por aquele genitor alienado;
- Apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente: é comum serem imputadas condutas que configura violência doméstica e prática de crimes sexuais, principalmente, na tentativa de prejudicar o alienado e, consequentemente, sua convivência com a criança/adolescente;
- Mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós;
Além destas, qualquer outra conduta que, direta ou indiretamente, prejudique a formação dos laços afetivos entre a criança/adolescente e seu familiar, criando um distanciamento ou mesmo ruptura na convivência entre eles, pode ser também considerada alienação parental e deve ser cuidado.
Apesar disso, determinados comportamentos que podem surgir no contexto da separação podem ser confundidos com a alienação, mas, no entanto, não necessariamente são. Alguns exemplos incluem:
- Estabelecimento de limites e regras por um dos genitores, desde que feita de maneira saudável a criança/adolescente e ao seu convívio com o outro genitor, não configura alienação parental;
- Preocupações legítimas sore a segurança e o bem-estar da criança ou adolescente, de modo a limitar os locais que frequenta, por exemplo;
- Proteção da criança/adolescente de situações prejudiciais, desde que a proteção seja feita de forma proporcional e visando o melhor interesse da criança/adolescente envolvido;
- Promoção e compartilhamento de valores e crenças com a criança/adolescente, desde que não desqualifique aqueles apresentados pelo outro genitor;
- Expressão legítima de sentimentos vinculados ao relacionamento passado não é, necessariamente, uma alienação parental. O que os pais devem se atentar, no entanto, é se esse compartilhamento de sentimentos não esta sendo prejudicial a criança/adolescente, ou se está, de alguma forma, interferindo em seu convívio com o outro genitor.
O que fazer em caso de suspeita de alienação parental?
Constatadas situações semelhantes ás descritas acima como ato de alienação parental, deve-se, primeiramente, tentar o diálogo e conscientização entre os envolvidos.
Esgotados os meios de solução pacífica do conflito, deverão os envolvidos procurar o auxílio de um profissional, tanto de um advogado para esclarecimento da conduta e processo, quanto de um psicólogo para análise e acompanhamento da criança/adolescente vitimada. Ambos os profissionais analisarão a extensão do problema, exibirão estratégias de atuação e auxiliarão nesse processo da forma mais eficaz e menos nociva aos envolvidos, em especial a criança/adolescente já tão afetados.
Quais as providencias podem ser adotadas pelo juiz?
Nossa legislação dispõe que, uma vez caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência da criança ou do adolescente com o genitor, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e segundo a gravidade do caso, adotar as seguintes medidas:
- Declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
- Ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
- Estipular multa ao alienador;
- Determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
- Determinar a alteração da guarda compartilhada ou sua inversão;
- Determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
Extra: Reconhecendo a prática de alienação parental:
A alienação parental nem sempre ocorre de forma explícita, demandando, muitas vezes, uma análise mais profunda da situação e da família.
Apesar disso, o Ministério Público do Ceará publicou uma cartilha sobre o tema com o intuito de promover ampla conscientização tanto de pais ou responsáveis, quanto dos profissionais e demais envolvidos com a proteção e assistência de crianças e adolescentes. (Acesse aqui a cartilha)
Nesta cartilha foram listadas algumas indagações fundamentais para confirmação, ou não, da existência de atos configuradores de alienação parental, tais como:
- Qual o histórico da família?
- Como é a relação atual dos genitores e demais parentes da criança?
- Percebe-se algum sentimento negativo quando um genitor ou familiar refere-se ao outro?
- Na presença da criança, os genitores referem-se um ao outro exatamente da mesma forma que se tratam quando o filho não está presente?
- A criança apresenta inclinação afetiva desproporcional por um dos genitores ou familiares?
- A criança refere-se a ambos os genitores da mesma forma?
- Ouvida isoladamente, a criança manifesta-se / comporta-se de forma diferente do que geralmente faz na presença de um ou de ambos os genitores?
- É possível perceber que algum dos genitores, na tentativa de atingir o ex-companheiro, conduz a vida do infante como se ele fosse mero objeto de seus desejos ou sua propriedade e solução para evitar eventual solidão?
- Pelo acompanhamento realizado, é possível concluir que um dos genitores tenta limitar o tempo que a criança/adolescente passa na companhia do outro genitor sem motivação razoável?
- É possível perceber que há divergências entre os pais sobre questões atinentes à saúde, educação, etc. do filho, de modo que a solução do impasse seja sempre resolvida unilateralmente?
- Como é a relação da criança/adolescente com os familiares dos cônjuges?
Além destes, foram apresentados outros quesitos para se verificar se o pai ou a mãe:
- Insulta e desvaloriza o outro na frente do filho;
- Busca controlar o tempo e o afeto do filho pelo outro genitor;
- Envolve todos que o cercam na ‘lavagem cerebral’ da criança/adolescente;
- Confidencia à criança/adolescente todas as más experiências que teve com o outro genitor;
- Toma decisões sobre a criança/adolescente sem consultar o outro;
- Intercepta mensagens e presentes do outro genitor para a criança/adolescente;
- Recusa-se a chamar a criança/adolescente ao telefone quando o outro genitor liga;
- Organiza atividades para a criança/adolescente nos dias e horários da visita do outro genitor;
- Deixa os filhos com qualquer pessoa, menos com o outro genitor;
- É hábil em convencer as pessoas do seu desamparo;
- Não transmite informações sobre a criança/adolescente para o outro genitor;
- Ameaça ou faz chantagem emocional com a criança/adolescente quando ela demonstra querer contato com o outro genitor;
- Apresenta seu novo companheiro ou sua nova companheira como novo pai ou nova mãe da criança/adolescente;
- Refere-se sempre de forma descortês quando menciona o novo companheiro ou a nova companheira do outro;
- Simula esforço para convencer a criança/adolescente a encontrar o outro genitor;
- Afirma que é a criança/adolescente quem não deseja o contato com o outro genitor;
- Qualquer pequena alteração é pretexto para cancelar a visita do outro genitor;
- Não respeita regras estabelecidas e descumpre ordens judiciais;
- Apresenta resistência para ser avaliado por profissionais independentes ou externa interesse na avaliação, mas busca sabotá-la;